Olhando para o futuro
01/09/2014

Fonte: Revista Negócios PE -Edição nº32Olhando para o futuro

Edição – Agosto

Colocamos a lente sobre a Serttel, uma companhia pernambucana nacionalizada, com faturamento de R$200 milhões, matriz de produtos amadurecida e dona de uma cultura voltada para a inovação como condição para a rentabilidade. O olhar da empresa atualmente brilha por um ambiente em ascensão, a mobilidade urbana.

Quando a Serttel começou, em 1988, Ângelo Leite ainda morava numa humilde república estudantil. Sua história de empreendedorismo confirma a regra. Não existe uma fórmula pronta. E qualquer um que está lendo esta revista agora pode chegar lá, principalmente se tiver acesso a um centro educacional de boa qualidade. Eu disse boa. Nem precisa ser ótima. Mas anotem aí, E-D-U-C-A-Ç-Ã-O, ela é a chave para o País da Copa deixar de ser o País do pão e do circo em ano de eleição!

O sertanejo Ângelo José Barros Leite nasceu em Petrolina (PE) e morou em Santa Maria da Boa Vista até os 15 anos. Filho caçula de quatro irmãos, percorreu 600 quilômetros até o Recife em busca de uma educação de melhor qualidade. Aos dezoito passou no vestibular de Engenharia Elétrica na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e foi morar na tal república, situada na Rua da Lama, no bairro do Cordeiro, onde dividiu por um longo tempo um quarto sem ventilador com seis colegas.

O jovem queria se formar e voltar para o Sertão. Sonhava em trabalhar como engenheiro da Telpe (antiga empresa de telefonia do Estado, privatizada em 1998), e foi na companhia que conseguiu seu primeiro estágio curricular. Ao se inscrever num curso interno de Fibras Óticas, conheceu o experiente engenheiro Fernando Rosa, que lhe convidou para fundar uma pequena empresa de manutenção de teclados telefônicos, serviço que executava na república onde morava. Quando a Serttel iniciou, o estudante era dono de apenas 10% das quotas, mas realizava 100% do trabalho operacional.

Três anos depois, a Telpe assinou um contrato e a Serttel ganhou sua primeira sede, uma salinha dentro de outra empresa, no bairro de Campo Grande. Nesse novo momento, Ângelo Leite disse ao sócio Fernando Rosa que continuaria apenas se tivesse suas quotas ampliadas para 50%. A condição foi aceita. Aos poucos a empresa ganhou crédito como prestadora de serviços da empresa de telefonia e ampliou sua atuação para a manutenção dos telefones públicos. O crédito conquistado apresentava uma lógica clara, havia um engenheiro envolvido operacionalmente na execução dos serviços.

No embalo do primeiro crescimento, a Serttel decidiu produzir um controlador eletrônico de semáforos, equipamento desenvolvido pelo irrequieto e jovem engenheiro numa época em que os controladores eram eletromecânicos. Essa iniciativa foi o “start” para o relacionamento com o Detran de Pernambuco, onde a empresa emplacou controladores piloto até ganhar, em 1994, um dos dois lotes licitados para a manutenção da rede semafórica do Recife. A Serttel se viu diante da responsabilidade de atender metade da capital pernambucana e precisava de estrutura para isso. Ângelo Leite foi então ao Banorte em busca de financiamento e ofereceu o próprio contrato como garantia. Com o recurso aprovado, decidiu pela aquisição de kombis picapes, um veículo que custava quatro vezes menos que as F 4000 Diesel usadas tradicionalmente. Para que as kombis fossem aprovadas como os veículos de suporte ao serviço, houve a necessidade de se desenvolver uma escada especial e de realizar os testes exigidos pelo Detran. A escolha do novo veículo produziu uma inovação que reduziu significativamente o custo operacional e o espaço ocupado na rua.

Na mudança do Governo de Joaquim Francisco para o de Miguel Arraes, o então presidente do Detran, Roberto Rego, reconheceu e valorizou o fato de a Serttel ser a única empresa que fabricava controladores semafóricos no Nordeste e o contrato foi mantido e ampliado, triplicando o faturamento da empresa.

Em 1995, a companhia ocupou uma casa que comportava 50 colaboradores e montou a primeira área de P&D com quatro estagiários de engenharia, sendo que três deles se tornaram sócios da Serttel. A empresa entendeu que naquele mercado o importante era controlar o conhecimento e se impor pelos valores competitivos, know how comprovado e produção dos equipamentos que utilizava, como forma de compensar a opção por não colocar o foco no relacionamento político, uma regra importante até hoje dentro do setor.

A municipalização do trânsito no Brasil, que aconteceu em 2003, beneficiou muito o modelo de negócios da Serttel porque levou as cidades a criarem estruturas jovens, pequenas e especializadas, o que potencializou o mercado da empresa, que deixava de ter um cliente potencial por Estado (o Detran), para ter vários clientes potenciais, um em cada cidade de médio porte para cima. O fato de ter conhecimento e experiência prática acumulada em vários estados tornou a empresa uma peça importante no suporte a essa mudança porque o know how e a infraestrutura técnica dos
Detrans não foram transferidos para as prefeituras, que tiveram que começar do zero.

Fernando Rosa, que fundou a Serttel com Ângelo Leite, vendeu suas quotas no ano 2000 para o empresário Severino Mendonça (empreendedor que protagonizou a reportagem Um homem de negócios na edição 21 da Revista Negócios PE e adquiriu 1/3 da companhia), deixando Ângelo Leite como sócio majoritário da organização. A nova composição societária trouxe Sérgio Mendonça (filho de Severino e que hoje preside a RDX Higienização) para a Diretoria Administrativo-Financeira, liberando o empreendedor para se dedicar internamente à tecnologia, concentrando energia no desenvolvimento de um sistema de gestão de trânsito incluindo rastreamento e gestão de redes semafóricas.

Em paralelo, Ângelo Leite decidiu cursar o MBA em Gestão de Negócios da UFPE, exercício que amadureceu muito sua visão empresarial, tanto que a disciplina de Planejamento Estratégico ministrada pelo professor Sergio Benício (um pensador pernambucano muito acima da média do ambiente organizacional do Estado), serviu de plataforma para estruturar um planejamento para a Serttel, cujo resultado final do estudo foi aplicado na prática e durante três anos balizou os caminhos da companhia.

Aquele momento aproximou a Serttel do ambiente de tecnologia da informação, quebrando a visão unilateral da engenharia elétrica, fixada no hardware, e possibilitando a construção de um sistema informatizado de gestão operacional (SIGO) aplicado à manutenção de rede semafórica e ganhador do Prêmio Finep de Inovação. O SIGO foi aprovado em 2006 no programa de apoio financeiro à inovação, da financiadora, chamado Juro Zero, cujo projeto teve a curadoria do coordenador do Softex Recife, Eduardo Paiva.

Os R$900 mil emprestados pelo Juro Zero foram utilizados na construção da fábrica de equipamentos para semáforos, controladores e lâmpadas LED localizada no Parqtel, e no desenvolvimento do sistema de gestão de serviços. Nesse intervalo a empresa abriu uma unidade de negócios em Taubaté e, posteriormente, angariou clientes também em São José dos Campos e Guarulhos, utilizando o SIGO como plataforma para a gestão de estacionamentos públicos que utilizam a Zona Azul eletrônica. Também vendeu a ferramenta e o pacote de serviços para a Prefeitura do Recife e depois para as prefeituras de Natal, João Pessoa, São Paulo e Rio de Janeiro. Atualmente ela atende ainda cidades médias importantes como Caruaru e Petrolina.

Mais amadurecido como empresário, Ângelo Leite assumiu a presidência da Associação das Empresas do Parqtel em 2006 e, no mesmo ano, a presidência da Associação Brasileira das Empresas do Setor de Trânsito, que reúne as empresas de tecnologia do setor. A liderança empresarial do engenheiro elétrico começava a apoiar o desenvolvimento mercadológico da Serttel e a nova sede, localizada no Parqtel, com 5 mil m2, proporcionou a estrutura adequada para o caminho de nacionalização da companhia.

Curiosidade
Com a privatização das telecoms, a empresa abriu mão definitivamente da atividade original de manutenção e focou em engenharia de trânsito. Uma nova etapa

O Samba na vida da Serttel
Em 2008, o empreendedor participou da maior feira internacional de tecnologia para trânsito no mundo, a Intertrafic, em Amsterdam. No caminho, esteve em Paris para conhecer o sistema Velibe (bicicleta livre), que havia acabado de ser inaugurado. Nessa viagem, a visão de futuro para a Serttel começava a ser desenhada.

Logo em seguida a Prefeitura do Rio de Janeiro lançou a licitação de um projeto piloto de bicicletas públicas – 50 estações e 500 bicicletas – e Ângelo Leite decidiu participar. Para sua surpresa, não existia concorrência, e a Serttel ganhou com um projeto de desenvolvimento de estações compartilhadas. No dia da assinatura do projeto, a presença do prefeito César Maia e do secretário de Transportes do Estado, Júlio Lopes, acendeu o olhar do empreendedor pernambucano, que assimilou definitivamente o valor daquele projeto para o mercado. Ângelo tomou então uma decisão arrojada: afastar-se da presidência da empresa por seis meses para dedicar-se exclusivamente ao Samba – Solução Alternativa de Mobilidade por Bicicletas de Aluguel.

Essa nova caminhada exigiu nova imersão operacional. Desde entender o projeto de design da bike, que deveria ser adequado ao uso urbano e compartilhado, até se envolver com a cadeia de fornecimento das peças da bicicleta e seu processo de montagem. Em novembro de 2008, as duas primeiras estações foram inauguradas. O ano seguinte foi crítico para o aprendizado, envolvendo roubo e vandalismo, que atingiu o auge quando praticamente todas as bicicletas do sistema sumiram simultaneamente. Neste momento o governador Sérgio Cabral e o novo prefeito, Eduardo Paes, telefonaram para Ângelo Leite manifestando solidariedade e reiterando a importância e o apoio ao projeto.

Não era para menos. A Serttel, no período, não conseguiu nenhum patrocinador para a iniciativa, tendo bancado desenvolvimento, implantação e operação com recursos próprios. Até que um patrocinador abraçasse o projeto, em junho de 2011, o Banco Itaú, foram mais de R$3 milhões investidos com recursos próprios. Nesse período, a rentabilidade da Serttel escoou e a empresa entrou em dificuldades financeiras, se endividando. Esse contexto produziu a saída de Severino Mendonça da sociedade. Suas ações foram adquiridas pelo fundador.

A redenção do Samba começou a ser construída ao final de 2010, quando o apresentador da Rede Globo, Luciano Huck, foi passar as férias em Londres e na capital inglesa usou o sistema Barclay’s de bicicletas públicas, nome do banco patrocinador da iniciativa. Em seu retorno procurou o prefeito Eduardo Paes para falar do projeto. O mandatário relatou a Huck que a Serttel oferecia o serviço na capital carioca com enorme sacrifício. O apresentador fez então a ponte entre o Samba e o Banco Itaú, que aprovou o patrocínio na primeira reunião. Os recursos injetados foram usados para zerar o custo do projeto no caixa, reestruturá-lo e aprimorar sua ação.

O relançamento do Samba foi um grande sucesso, com 30 mil usuários cadastrados em 90 dias e 120 mil viagens/ mês em pleno verão carioca. Este período deu visibilidade a Ângelo Leite na capital carioca e o aproximou dos defensores urbanos da cidade, arquitetos, ativistas, artistas e Terceiro Setor, o que legou ao empreendedor um novo olhar sobre a cidade, que apoiou o eixo de desenvolvimento da Serttel em três pilares: engenharia, tecnologia e urbanismo.

Atualmente o Samba está em dez cidades brasileiras, sendo oito capitais (Rio, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Aracaju e Porto Alegre), mobilizando 4 mil bicicletas e 400 estações. O Samba acaba de chegar também a Buenos Aires com 240 estações e 4 mil bikes. A previsão é finalizar este ano com 11 mil bicicletas, respondendo por 30% do faturamento da Serttel, que deverá cravar os R$ 200 milhões, com um ebtida de 20% e uma lucratividade de 15%.

Olhando para o futuro
Com a empresa equilibrada, a Serttel iniciou um amplo trabalho de reestruturação da gestão com a Deloitte, o que produziu, como consequência, um plano de negócios até 2016 que inclui tornar-se líder nacional de gestão semafórica.
Em parceria com o Porto Digital (território onde a empresa mantém uma unidade de negócios desde 2001), Ângelo Leite estabeleceu um perímetro urbano para testar tecnologias. Foi assim com o semáforo inteligente, a zona azul eletrônica, as bicicletas, o sistema de monitoramento urbano e agora com os carros elétricos compartilhados que começarão a rodar em setembro, veículos pequenos e sustentáveis usados para deslocamento em áreas de grande adensamento urbano, opção destinada a cidadãos que têm uma consciência coletiva acima da média. O projeto piloto dessa iniciativa funcionará no Recife Antigo e contará com quatro carros.

O trabalho com pedágios, zona azul eletrônica e bicicletas públicas aproximou a Serttel de outras tendências, o crescimento dos smartphones e do valor da base de cadastros dos usuários. Dessa realidade nasceu a Mobilicidade, focada no relacionamento mobile e localizada no prédio do ITBC, no Porto Digital. A empresa tem a missão de desenvolver aplicativos para smartphones com foco em mobilidade urbana e transações financeiras eletrônicas envolvendo usuários e cartões de crédito. A partir desse conceito a empresa acumulou uma base de 1 milhão de usuários no Brasil agregados em diferentes aplicativos de mobilidade urbana, que incluem o pagamento de estacionamentos públicos, estacionamentos privados como o do Shopping Center Recife, pedágios urbanos e aluguel de bikes. A proposta é que, através do celular, e com uma única conta na Mobilicidade, o cliente possa acessar múltiplos serviços. “A Mobilicidade é como o Whatsapp, ainda está encontrando sua vocação econômica”, compara Ângelo Leite, um sertanejo que foi chamado de “O dono da rua” pela revista Exame e considerado pela Revista Época uma das 100 personalidades mais influentes do País, numa lista onde constam o presidenciável Eduardo Campos e o presidente do Porto Digital, Francisco Sabóia.

Segue link com a matéria: http://www.revistanegociospe.com.br/materia/Olhando-para-o-futuro